terça-feira, 24 de dezembro de 2013
Padres levam missão de aproximar Igreja aos fiéis
No segundo dia da série especial, a reportagem destaca o trabalho de padres em paróquias do Estado do Ceará
Dentro
da estrutura da Igreja Católica atual, o sacerdote exerce múltiplos e
complexos papéis. O primeiro e mais fundamental é o de transmissor e
alimentador da fé cristã junto aos fiéis, com a propagação dos
evangelhos e preceitos da religião. Segundo, o de atuar como um
verdadeiro "pastor", dedicando sua vida por inteiro a ajudar, aconselhar
e orientar os que procuram seu auxílio. Terceiro, o de missionário.
Como afirmou o papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude
(JMJ) deste ano, não basta abrir a porta para acolher, deve-se sair pela
porta e ir ao encontro das pessoas.
Padre Zacarias trabalha
com as comunidades em Chorozinho. O sacerdote Helano Samy é vigário
paroquial no distrito de Capuan, localizado no município de Caucaia, e
visita mensalmente 36 pequenos distritos naquela área Fotos: Natinho Rodrigues
No
contexto renovação da Igreja, os padres mais jovens e recém-ordenados
adquirem, ainda, outras funções. Detentores de experiências e olhares
diferenciados, os novos presbíteros são, agora, os encarregados diretos
de proporcionar o maior diálogo entre a Igreja e seus fiéis proposto
pelo papa Francisco. Desafio grande que contrasta com a pouca idade da
nova geração sacerdotal.
Não suficiente, precisam acompanhar a
evolução mundial, estar em sintonia com as ciências e os meios de
comunicação, e, ao mesmo tempo, disseminar os ensinamentos do Evangelho
para uma sociedade que tende a ver o catolicismo em seus velhos moldes
como uma religião ultrapassada.
Missionários
Neste
mês de dezembro, completa-se um ano que Helano Samy da Silva e Zacarias
Virgílio Araújo, 28, foram ordenados sacerdotes pela Arquidiocese de
Fortaleza. A vocação sacerdotal aflorou ainda na adolescência e, após
oito anos de estudo e preparação em seminários do Estado, eles se
tornaram dois dos mais jovens presbíteros da Capital. O primeiro foi
nomeado vigário paroquial no distrito de Capuan, município de Caucaia.
Já o segundo serve à Paróquia Santa Terezinha do Menino Jesus, em
Chorozinho, também na Região Metropolitana de Fortaleza.
Ao longo
do ano de sacerdócio, a meta e o desejo de ambos sempre foram os
mesmos. "Estar próximo ao povo, ajudando no que for preciso e
necessário. A nossa vida é inteiramente de disposição para as pessoas",
diz Zacarias. Mas em cidades nas quais a religião católica perdeu espaço
para outros cultos, do evangélico ao ateísmo, os jovens padres
perceberam que o "estar próximo" significa, verdadeiramente, ir até a
população, resgatando o ideal de uma igreja missionária.
Nas duas
regiões onde estão alocados, da mesma forma que em muitas cidades do
Interior do Estado, a imagem do padre ainda é vista como sinal de
status, característica que ficou marcada em outros momentos da Igreja
Católica e acabou por reforçar o distanciamento entre a liderança da
entidade e seus seguidores. Para se aproximar, foi preciso colocar os
pés no chão, quebrar o estigma, e trabalhar de perto, junto à
comunidade.
Além do centro urbano de Capuan, sede da Igreja
Matriz, Padre Helano Samy visita mensalmente 36 pequenos distritos
situados nas redondezas. Locais pobres, carentes de fé e de assistência,
onde a única presença de organização social é religiosa. Lá, ele faz o
papel não só de evangelizador, celebrando missas, batismos e casamentos.
Trabalho social
O
sacerdote é também o articulador dos habitantes na busca de direitos,
seja por saúde, educação ou ajuda para combater os prejuízos causados
pela seca que atingiu o Ceará neste ano. O sacerdote participa, ainda,
de projetos sociais, a exemplo do Centro de Pesquisa Vivência Ecológica
(Cepe Viva), em Caucaia, que oferece aulas de reforço e atividades
físicas a 45 crianças e adolescentes pertencentes a famílias sem
recursos.
"Encontramos muito essa realidade de ver pessoas que
precisam do básico. Foi uma experiência que causou muito impacto.
Percebi que, onde eu estou, posso ajudar a deixar as pessoas mais
conscientes a respeito de seus direitos e a formar numa nova cultura que
consiste em ver todas as comunidades como uma família, se ajudando nos
problemas e caminhando nas alegrias", confessa o sacerdote.
No
município de Chorozinho, também castigado pela estiagem, no qual boa
parcela da população vive sob condições precárias em assentamentos,
Zacarias é um dos coordenadores da Pastoral da Criança. A ação do grupo,
formado por voluntários, tem foco no combate da desnutrição e da
desidratação infantil. "Faz parte da Igreja se envolver nisso, estar ao
lado dos necessitados. Estamos voltando a nos centrar nisso. São coisas
que, muitas vezes, as pessoas que estão lá fora não veem", ele conta.
A
partir de esforços como esse, os dois sacerdotes tentam renovar a
Igreja resgatando atitudes e valores que remontam aos reais princípios
da fé. Porém, na caminhada desde o dia em que se tornaram padres, os
desafios e dificuldades continuam se apresentando em vários aspectos, a
maioria ligados à modernidade e transformações sociais.
Desafios
Um
deles é o de reverter a ideia de que a Igreja e a religião católica
representam uma visão antiga do mundo, não correspondente com a
realidade. "Quando a gente fala em Igreja, acham que é algo
ultrapassado. O religioso vê o mundo com uma visão de esperança, como um
agente que transforma. Tentamos mostrar que esse modo de encarar as
coisas também é válido e contribui com a sociedade ainda hoje", ressalta
padre Helano.
Para ambos os sacerdotes, em tempos marcados pelo
individualismo e pelo relativismo, também lhes é imposta a difícil
tarefa de fazer com que a população vivencie a fé e se identifique com o
evangelho. "As pessoas acreditam, às vezes, que o Evangelho não tem
mais nada a ver com a sociedade, mas isso não é verdade. O Evangelho
ainda fala muito para as pessoas hoje, e nós precisamos passar isso",
afirma Helano Samy.
Mas talvez o maior desafio seja o de dar
respostas à sociedade em relação aos temas que abalam os dogmas da
religião católica. Na visão de Zacarias Virgílio, a Igreja acompanha as
mudanças nos tempos, mas não há como a instituição fugir dos princípios
que a fundamentam. "A sociedade vive em uma realidade em que tudo é
relativo, inclusive a fé. As pessoas pensam que a religião deve ser do
jeito que elas querem, do jeito que elas acreditam. Mas a Igreja só pode
dar respostas a partir do que ela se propõe, que é a vivência da fé na
prática", aponta.
Já Helano Samy avalia que, apesar de manter as
tradições, a Igreja tem de estar preparada para discutir mais
abertamente assuntos considerados polêmicos, como avanços da ciência, a
discussão sobre sexualidade, as críticas ao direito à vida, entre
outros. Na expectativa de acompanhar as mudanças do mundo contemporâneo,
o próprio padre sente a necessidade de estar a par dos novos
acontecimentos. Segundo ele, a Igreja precisa lidar com questionamentos
levando em conta os preceitos da religião, mas também se mantendo de
portas abertas.
"Hoje, a Igreja se vê interpelada de muitas
maneiras, por grupos sociais distintos. Existem alguns assuntos que
fazem parte de uma tradição e realmente são fechados, mas é preciso
saber que o dever da Igreja é acolher. Não é a identidade de uma pessoa
que vai excluí-la", defende.
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